domingo, 26 de março de 2023

UM CAVALHEIRO POR INSTINTO (Henry Smith)

O velho cacique Seattle era o maior índio que eu jamais havia visto. E o que tinha aparência mais nobre. Em seus mocassins, ele media mais de 1,80m, ombros largos, tórax amplo e traços finos. Seus olhos eram grandes, inteligentes, expressivos e amigáveis quando em repouso, espelhando fielmente os variados estados de espírito da grande alma que olhava através deles.
Normalmente era solene, calado e digno, porém nas grandes ocasiões movia-se na multidão como um Titã entre Liliputianos e o que ele dissesse era lei. Quando se levantava para falar, em reuniões, ou para oferecer conselho, todos os olhos se voltavam para ele. Então frases profundas, sonoras e eloquentes fluíam de seus lábios, assim como trovões de cataratas fluindo continuamente de fontes inexauríveis.
Suas diretrizes soavam tão nobres como teriam soado aquelas do mais cultivado chefe militar que estivesse no comando das forças de todo o continente. Nem sua eloquência, nem sua dignidade ou sua graça haviam sido adquiridas. Elas eram tão próprias da sua personalidade quanto as folhas e as flores o são em um pessegueiro em flor.
Sua influência era maravilhosa. Ele poderia ter sido um imperador, mas todos os seus instintos eram democráticos e ele comandava os seus leais cidadãos com suavidade e com paternal benignidade. Sempre era alvo de especial atenção pelo homem branco, principalmente quando sentado à sua mesa. Era nessas ocasiões que demonstrava, mais do que em qualquer outro lugar, o cavalheirismo que lhe era genuíno.
Assim que o Governador Stevens chegou a Seattle e disse aos nativos que tinha sido indicado Comissário para assuntos indígenas do território de Washington, estes lhe prepararam uma recepção em frente dos escritórios do Dr. Maynard, na margem próxima da Main Street.
A baía se enxameava de canoas enquanto a margem era tomada por uma morena e movimentada massa humana. Quando o timbre de trombeta da voz do velho cacique espalhou-se sobre a imensa multidão como o rufar de um tambor, formou-se um silêncio tão instantâneo e perfeito como aquele que segue o "crack" do trovão em um céu limpo.
Sendo então apresentado à multidão nativa pelo Dr. Maynard, em um tom conversacional, direto e objetivo, o Governador deu imediatamente início a uma explanação sobre sua missão, que é conhecida demais para que requeira recapitulação.
Quando ele se sentou, o cacique Seattle levantou-se com a dignidade de um senador que carrega em seus ombros a responsabilidade sobre uma grande nação. Colocando uma mão sobre a cabeça do Governador e lentamente apontando para o céu com o dedo indicador da outra, em tom solene e impressionante, começou seu memorável pronunciamento.

-TRECHOS DE UM DIÁRIO - O Cacique Seattle: Um cavalheiro por instinto  (10º artigo da série Primeiras Reminiscências - Seattle Sunday Star, 29 de outubro de 1887).

quinta-feira, 16 de março de 2023

AQUALTUNE MAHAMUD

Princesa guerreira africana, filha do rei do Congo, que depois da invasão dos mercenários de Portugal no final do século XVI foi levada para o mercado de escravos em Gana e enviada ao Brasil em 1597.
Chegou no Recife e seguiu para uma fazenda na região de Porto Calvo, onde ouviu relatos sobre um reduto de africanos livres reunidos na Serra da Barriga. Assim Aqualtune, que mais tarde seria a avó de Zumbi dos Palmares, decidiu organizar uma fuga para esse quilombo.
De ascendência nobre e um histórico de comandar batalhas, ela se tornou líder de uma das aldeias insurgentes, o Mocambo de Aqualtune. Vivendo no quilombo teve 3 filhos guerreiros: Gamba Zumba, Gana Zona e Sabina, mãe de Zumbi. Faleceu já bastante idosa em 1677, quando sua cidadela foi atacada por bandeirantes portugueses.
Em 2019 a escola de samba Mancha Verde de São Paulo homenageou esta grande heroína, que veio para o Brasil para entrar para história e honrar o seu povo com orgulho na eterna luta pela liberdade.

Eu só acho um absurdo
Porque nunca ouvi falar
Na escola ou na tevê
Nunca vi ninguém contar
A história de Aqualtune
E o que pode conquistar

Uma história como a dela
Deveria ser contada
Em todo livro escolar
Deveria ser lembrada
No teatro e no cinema
Que ela fosse retratada

Mas eu tive que sozinha
Sua história então buscar
Foi porque ouvi seu nome
Uma amiga então citar
E por curiosidade
Na internet procurar

É por isso que eu escrevo
E o cordel quero espalhar
Pra que mais gente conheça
E também possa contar
Tudo que Aqualtune fez
Pois é tudo de inspirar

A história do meu povo
Nordestino negro forte
É tão rica e importante
É vitória sobre a morte
Pois ainda do passado
Modificam nossa sorte

Quando penso em Aqualtune
Sinto esse encorajamento
A vontade de enfrentar
De mudar neste momento
Tudo aquilo que é racismo
E plantar conhecimento.

(Trecho do cordel “Aqualtune”, de Jarid Arraes).