segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

POSFÁCIO DA EDIÇÃO DIGITAL


“O escritor de hoje é uma espécie de bobo da corte, encarregado de dizer coisas heterodoxas, politicamente incorretas. Mas não se muda nada. Nós somos a cereja que está aí para enfeitar o bolo e, vá lá, tentamos enfeitá-lo da melhor maneira possível” (José Saramago, 1999).

A relevância de um trabalho acadêmico pode estar na permanente atualidade do seu conteúdo, em desafio às inevitáveis mudanças de conceitos que ocorrem com o passar dos anos. Este livro sobre o romance neo-realista em Portugal, publicado pela professora Déa Márcia Simões em 1975, é um desses trabalhos que perduram no tempo, não apenas pela perenidade da sua substância, mas também pela riqueza teórica na abordagem do tema.
        Certamente muita coisa aconteceu nas últimas cinco décadas, depois do lançamento deste livro. A arte literária talvez tenha dado mais um ou dois passos à frente na evolução da criação das suas formas artísticas. Partindo da ideia exposta no início do livro - de que “em Portugal, a geração neo-realista pretendeu preencher o vazio que a morte de Eça de Queiroz deixou no romance português. Se conseguiu ou não, só o tempo há de dizer” - qual perspectiva nos é oferecida hoje, em pleno século XXI?
        Saramago surgiu para o mundo da literatura na década de 1980, depois, portanto, da conclusão deste trabalho. Teria ele finalmente preenchido este vazio deixado por Eça? Graças à amplitude da sua pesquisa, a autora nos apresenta esta reivindicação ou premonição estética, suscitada pelo estudo da influência do neo-realismo na literatura de Portugal.
       Há dois momentos bem marcantes na análise deste estilo de época: o primeiro, mais radical, e o segundo, já liberto de convenções, tal como posteriormente evoluiria a obra de Saramago, brotada no início da fonte pura do neo-realismo e depois transmutada para outras vertentes dos modernismos literários.
      Os reflexos práticos da inserção do romance neo-realista na vida da sociedade é uma questão que continua polêmica. Um dos equívocos do chamado Socialismo Real do século XX foi considerar o Estado como uma entidade superior, maior inclusive, na sua concepção filosófica e axiológica, que a própria Vida.
         Tal comparação também pode ser aplicada à Arte, ou seja, a Vida é muito maior que a Literatura. Assim como as políticas de Estado não são suficientes para dar conta de toda a realidade social existente, a Literatura, por si só, não é capaz de revolucionar o mundo. Só o próprio mundo, ou a própria Vida, pode se autotransformar.
         A finalidade da Arte, porém, não deve ficar restrita apenas a “produzir-nos esta emoção tão particular, tão misteriosa e talvez tão complexa: a emoção estética" (José Régio, Manifesto de 1928, Revista Presença). Representando um novo estilo nas letras portuguesas, os escritores neo-realistas não pretenderam entrar para história da Literatura como mera obra de arte, mas quiseram ser, antes de tudo, um documentário humano vivo.