sábado, 17 de setembro de 2022

ESFERA JURÍDICA NUCLEAR - DIREITOS DE PERSONALIDADE

        

        Na hierarquia das normas jurídicas, segundo a doutrina das garantias estabelecidas no conceito de esfera jurídica nuclear, o principal enfoque das regras gerais do Direito deve estar sempre na valorização e na proteção da vida das pessoas em si, tanto no nível físico quanto mental.
No entanto, a maior influência das relações econômicas no cotidiano social, somada a um sentimento materialista predominante nos tempos atuais, leva ao poder judiciário uma gama maior de questões substancialmente relacionadas a um proveito material ou vantagem econômica, em detrimento de questões morais e psicológicas.
Neste contexto, uma visão mais humanista do Direito muitas vezes foi relegada a um plano secundário da tradição jurisprudencial brasileira, diante do grande volume de negócios e conchavos financeiros, com desenlaces econômicos atrelados a contendas sobre direitos materiais, que majoritariamente afloram nos tribunais.
A reparação de danos causados contra direitos de natureza pessoal - chamados direitos gerais de personalidade - muitas vezes é de fato de difícil apreciação, tanto em relação à aferição da intensidade do possível dano, quanto aos valores monetários de uma eventual indenização, que em geral segue um critério subjetivo, tornando tais direitos incertos e até mesmo improvisados.
Os direitos de personalidade são definidos como essenciais ao desenvolvimento dos indivíduos, sendo basicamente disciplinados na Constituição e no Código Civil como direitos absolutos, posto que são imprescritíveis, intransferíveis, extrapatrimoniais, impenhoráveis, vitalícios e necessários.
Compreendidos em um núcleo de garantias individuais legalmente protegidas, tais direitos consistem na totalidade de bens e poderes que visam assegurar a todas as pessoas a possibilidade de autopreservação, autoafirmação e autodeterminação de sua personalidade, seja no que diz respeito à integridade física, como o direito à vida e ao próprio corpo, ou à integridade moral, como o direito à honra, à imagem, à liberdade de expressão e de pensamento, à intimidade e ao recato.
A conceituação jurídica do direito de personalidade, portanto, é uma atribuição institucionalizada por um conjunto de regras declaratórias da sua aplicação e dos limites aos quais se devem circunscrever. Trata-se de uma relação jurídica fundamental, que tem como objetivo primordial preservar valores e condições que emprestam dignidade à vida dos seres humanos.
A legislação é falha em certos aspectos da tutela efetiva dos direitos de personalidade no seu sentido mais estrito - também chamados direitos personalíssimos - diante das dificuldades da reparação de um dano de efeito moral, já que a compreensão de um dano psicológico depende de um grau de subjetividade próprio de cada pessoa.
Entende-se como honra, por exemplo, segundo o conceito jurídico objetivo, o conjunto de atributos morais, intelectuais e físicos de uma pessoa, englobando aspectos da sua autoestima - o que o indivíduo acha de si próprio – bem como da sua consideração social – o que os outros pensam dessa pessoa.
Os crimes contra a honra estão descritos nos artigos 138 (Calúnia), 139 (Difamação) e 140 (Injúria) do Código Penal. São ações delituosas que atacam a moral psíquica da vítima, mas são consideradas como delitos de menor potencial ofensivo (exceto a injúria qualificada prevista no § 3º do artigo 140), razão pela qual as penas não excedem a dois anos de prisão, sendo convertidas em punições alternativas de multa e ação social.
Nos Juizados Especiais é possível obter uma transação entre as partes, hipótese na qual se evita o prosseguimento da ação penal pública. Possíveis reparações materiais referentes a danos psíquicos podem ser processadas em outra ação judicial, na esfera privada.
  Definir objetivamente os crimes contra a honra e a intimidade, assim como os parâmetros econômicos das indenizações por dano moral, é o grande desafio ao aperfeiçoamento da legislação no plano da defesa dos direitos de personalidade no Brasil.

quarta-feira, 13 de julho de 2022

MADUREIRA EM CUBA

O time do Brasil que ganhou as copas de 1958 e 1962 causou um grande impacto no cenário do futebol mundial. No rastro da fama daquele inesquecível "escrete canarinho" estrelado por Garrincha e Pelé, vários times brasileiros fizeram excursões internacionais por todo o planeta.
O empresário carioca José da Gama, por exemplo, conseguiu negociar muitas viagens de diversas equipes de futebol, até mesmo do modesto Madureira Esporte Clube, time do qual ele era o presidente.
Gama promoveu uma volta ao mundo do Madureira em 1961 que durou 144 dias, um recorde de permanência de um clube brasileiro no exterior. Em 1963 o Madureira fez um tour pela América Latina, passando por Venezuela, Colômbia, México, El Salvador Costa Rica e, finalmente, Cuba. 
No dia 11 de maio, em plena Guerra Fria, apenas alguns meses depois do episódio histórico da Crise dos Mísseis entre EUA e URSS, o time brasileiro desembarcou na ilha de Fidel, tornando-se o primeiro clube estrangeiro a jogar no pais depois da revolução de 1959.
Foram 5 jogos - 5 vitórias - contra alguns dos principais times cubanos. O jogo de despedida contou com a presença do comandante Che Guevara, um líder militar e político muito admirado pelos cubanos e também pelos jogadores brasileiros.
O Madureira tinha laços estreitos com a escola de samba do seu bairro - a Portela - e com o jogo do bicho, mas não cultivava nenhuma relação especial com o comunismo. Jogar em Cuba era somente uma questão comercial.
No ano seguinte, já depois do golpe de 1964 no Brasil, o Madureira foi jogar na China de Mao e acabou se envolvendo em um grande embaraço diplomático. 
Em 2013 foi lançado um uniforme do Madureira comemorativo aos 50 anos da passagem por Cuba, homenageando a bandeira do país com a estampa do seu herói nacional.

 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

O FUSCA AZUL

Semana passada, numa viagem de táxi de Pouso Alegre até o Rio de Janeiro, logo no começo do trajeto, passando por Santa Rita do Sapucaí, apareceu um fusca azul correndo bem mais que o nosso carro e nos ultrapassou feito um foguete, sumindo disparado na nossa frente.
Mais adiante, perto da cidade de Resende, quando entramos em um posto de gasolina para abastecer, encontramos o mesmo fusca azul, já saindo do posto. O taxista apenas comentou comigo:
- Olha lá aquele fusca azul.
Depois, já na rodovia Dutra, quando paramos pra almoçar, lá estava novamente o fusca azul, desta vez parado no estacionamento do restaurante. Era a terceira vez que a gente encontrava o mesmo fusca, mas eu nem pensei nada, achei que era só coincidência mesmo e não dei maior importância. 
Porém, quando já estávamos quase chegando ao Rio de Janeiro, outra vez aquele fusca azul apareceu na estrada. O taxista resolveu anotar a placa do carro pra jogar na loteria.
- É muita coincidência - disse ele - Só pode ser uma dica pra gente jogar no milhar da placa desse fusca!
Mas eu retruquei: 
- Que dica, que nada! Você é trouxa de acreditar nessas coisas.
Mas o taxista me desafiou, cheio de esperança:
- Então vamos ver no sábado, quando correr o sorteio da federal!
No sábado, fui conferir o resultado da loteria e tinha dado um número totalmente diferente da placa do fusca azul. Liguei pro taxista e disse:
- E aí, já viu o resultado da loteria? Que grande dica foi aquela, heim?
Mas pra minha grande surpresa, ele me contestou:
- Ah, mas eu estava certo! Era mesmo uma grande dica e você não acreditou!
- Não entendi, como assim? - perguntei intrigado. 
Então ele explicou:
- É que o número sorteado na loteria foi o milhar da placa do meu táxi! A dica era pro motorista do fusca azul!

domingo, 2 de janeiro de 2022

POVOAMENTO DO SUL DE MINAS - O RIO MANDU

O Mandu é um pequeno rio de cerca de quarenta e cinco quilômetros de percurso. Nasce em um dos vales formados pelas vertentes da Serra do Abertão, e tomando o rumo NE, atravessa parte da bacia do Sapucaí, lançando-se no Sapucaí-Mirim.
A um quilômetro, mais ou menos, acima de sua foz, passava, em 1750, o caminho de São Paulo a Vila Rica. Na parte NO desse caminho - nas encostas da Serra do Gaspar, que morrem à margem esquerda do Mandu - estende-se a vasta região de campos e de matas; é fértil, aprazível e de um clima muito ameno, apesar da vizinhança de várzeas dilatadas e alaguiças que se estendem para o sul, à margem direita do rio, tomando largamente a direção do leste. Aí dava-se o ponto de intercessão do antigo caminho com o rio, e hoje está situada a cidade de Pouso Alegre.
A observação detida da localidade e a existência de numerosos vestígios levam à convicção de que o primitivo caminho, ao aproximar-se do rio, passava pelo espigão do morro chamado Alto das Cruzes, e descia pela encosta da colina em que fica o bairro das Taipas, ao longo do córrego, até inserir-se no rio, onde termina a rua antigamente chamada da Cadeia Queimada.
Nesse ponto começou a edificação do povoado.
Tendo-se em vista a natureza ao Norte do rio, verifica-se que o estabelecimento principal da povoação - a fazenda de criar - era situada nas fraldas do monte central, ladeado por extensos brejais cortados por dois córregos até a margem do Mandu. A localização dessa fazenda deve coincidir com o centro da cidade, nas imediações da Praça Senador José Bento.
Via-se, então, como ainda se vê hoje em muitos lugares, a fazenda situada na encosta e, ao longe, na margem do rio, um pequeno núcleo de casas, rancho e venda destinada ao comércio com viajantes.
Quem primeiro habitou as margens do Mandu foi o aventureiro Antônio de Araújo Lobato, mais ou menos em 1750, logo depois da expedição de Francisco Martins Lustosa e João Veríssimo de Carvalho, ao longo desse rio e do Cervo.
Araújo Lobato, como todos que se apossavam de terras nos sertões, não foi jamais incomodado pelo Governo, o qual, tendo as suas atenções voltadas para a extração do ouro, tolerava os raros aventureiros que se estabeleciam nos campos e nas matas para se dedicarem a lavoura e criação de gado.
Alguns anos depois de Araújo Lobato, um outro aventureiro de nome Felix Francisco também se apossou de terras no mesmo sertão.
Em geral esses aventureiros eram homens de haveres, senhores de escravos, e logo que se apossavam de terras, nelas construíam moradas, abriam plantações, fechavam currais, organizando verdadeiras fazendas. Como acontecia normalmente por esse tempo, consentiam ou procuravam os fazendeiros instalar moradores em suas terras, os quais, trabalhando para si, embora em campo alheio, concorriam para a prosperidade das fazendas, geralmente conhecidas por se localizarem ao longo das estradas.
Entre os habitantes da primitiva fazenda, figurava João da Silva Pereira, que, em 1755, adquiriu por compra as terras posseadas por Lobato e por Felix Francisco. Como, porém, a posse de vendedores não se achava legitimada, João da Silva Pereira, depois de cultivar as ditas terras por mais de trinta anos, requereu ao governo de Luiz da Cunha Menezes a concessão de uma sesmaria de três léguas de comprimento por uma de largo, a qual compreendia integralmente as terras por ele adquiridas.
A sesmaria lhe foi concedida em 14 de junho de 1785. E a demarcação dela abrange toda a paragem que começa, por um lado, na vargem da barra dos dois Sapucaís, sobe pelas vertentes da Serra do Gaspar, onde está edificada a cidade e segue por espigões até descer no ribeirão das Anhumas; por outro lado atravessa o Sapucaí, terminando no ribeirão da Estiva, afluente do mesmo rio.
Verifica-se claramente pela carta de sesmaria doada a João da Silva que a primeira sesmaria concedida no sertão do Mandu foi a sua, que adquiriu de Araújo Lobato e Félix Francisco - primeiros habitantes da paragem - as terras cuja posse legitimou por meio da referida concessão.
Durante os trinta anos que mediaram entre a compra e a posse legal de João da Silva Pereira, desenvolveu-se o povoado, cuja origem foi o estabelecimento de Araújo Lobato no Sertão do Sapucaí.
Em 1766 já era o pouso do Mandu relativamente grande, visto que nessa data ali estabeleceu o Governo um Registro Fiscal para o ouro que saía de Santana e de Ouro Fino.