terça-feira, 23 de setembro de 2025

O LEGADO DE ALBERTO PASQUALINI


Na segunda metade do século XX o Brasil deixou de ser um país essencialmente rural para transformar-se no país mais industrializado da América Latina. Apesar desta mudança, quase todos os malefícios econômicos e prejuízos sociais denunciados pelo professor, advogado e militante político Alberto Pasqualini (1901/1960) permanecem atuais, desafiando o futuro da sociedade brasileira.
Apesar da modernização e do incremento econômico impulsionados pela explosão demográfica e pela força do sistema capitalista, a injustiça social prevalece em meio ao descaso governamental, com um inchaço de populações pobres e desorganizadas que não conseguem sequer resolver seus problemas mais básicos.
Na perspectiva da valorização do trabalho como força motriz das sociedades humanas, até hoje não existe no Brasil um conceito cultural de que o suor do trabalhador merece remuneração digna e deve estar sempre no centro das discussões das atividades econômicas. O trabalhador comum continua ganhando mal e perdendo cada vez mais os direitos sociais trabalhistas conquistados por lutas históricas. E os poucos direitos que ainda conserva são muitas vezes desrespeitados.

"O trabalho é a fonte original e principal dos bens; portanto, o trabalho é a causa principal do valor de quase todos os bens". Assim preconizava Pasqualini na sua luta pela garantia dos direitos do trabalhador brasileiro, que não tinha voz e só vislumbrava a miséria diante dos olhos".

Nascido em 23 de setembro de 1901, em Vale Veneto, hoje município de Ivorá, no Rio Grande do Sul, filho de descendentes italianos, Pasqualini passou toda a infância e juventude no meio rural, até ingressar em 1915 no curso ginasial do seminário Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo. Iniciou o curso de Magistério no Colégio Anchieta de Porto Alegre em 1919, onde veio a se destacar como aluno brilhante. 
Formou-se em direito pela Faculdade de Porto Alegre em 1929 e foi o Orador da sua turma. Em seu discurso de formatura já se destacavam os temas que iriam nortear toda a sua trajetória política e intelectual: a busca da Justiça e a discussão das doutrinas sociais.
Participou da Revolução de 1930 e foi comissionado no posto de major-fiscal da unidade militar do cais do porto de Porto Alegre. Em 1932, instalou sua banca de advogado no centro de Porto Alegre, mostrando desde logo a sua competência profissional e o seu conhecimento profundo das ciências jurídicas. Durante os anos de 1934 e 1935, confirmando sua vocação para o Magistério, lecionou nas cadeiras de Introdução à Ciência do Direito e Direito Civil, na Faculdade de Porto Alegre.
No período do Estado Novo, elegeu-se vereador na capital gaúcha e destacou-se por sua dedicação aos estudos das questões administrativas da cidade. Foi convidado em 1939, pelo general Cordeiro de Farias, interventor federal no Estado, a integrar o departamento administrativo criado pelo governo federal para fazer as vezes de assembleia legislativa, desativada pelo governo ditatorial de Vargas.
Em setembro de 1943, tomou posse como secretário do interior, pasta à qual eram entregues os assuntos de segurança pública e de justiça. Ao assumir o cargo em plena ditadura, no qual permaneceu até julho de 1944, conseguiu escapar do rígido controle político que era exercido pelo regime, conseguindo fazer que circulassem no Rio Grande do Sul alguns livros que estavam proibidos no resto do país, como, por exemplo, Fronteira Agreste, de Círio Martins.
Exemplo de honestidade e independência, Pasqualini não admitia a imoralidade administrativa e condenava o primitivismo político caracterizado por formações partidárias que atuam em função de pessoas e de interesses menores. Homem de partido, foi um dos fundadores do antigo Partido Trabalhista e em diversas oportunidades enfatizou o papel fundamental dos partidos políticos para o amadurecimento institucional do país.

"Um verdadeiro partido político não pode ter apenas objetivos eleitorais, porque, na essência, é instrumento de mobilização social, de difusão de ideias e de educação do povo". 

Criticava abertamente o clientelismo político e o empreguismo apaziguado na administração pública. Considerava a vida pública um dever e um sacerdócio e foi sempre um crítico implacável dos políticos oportunistas e fisiológicos que até hoje infelicitam o nosso país. Nas suas campanhas eleitorais, fazia questão de dizer que, mais importante que a sua própria eleição, era convencer o eleitorado da justeza de suas propostas. Democrata convicto, acreditava no embate de ideias e na plena liberdade de expressão. 

"Os verdadeiros estadistas, os que têm a consciência tranquila, não receiam a discussão dos seus atos e a análise da sua conduta, pois fácil será confundir os que criticam se estiverem errados e, se tiverem razão, felicidade deverá ser para o governante, digno desse nome, descobrir os seus erros e ter a oportunidade de corrigi-los".

Seu conceito de reforma agrária era de que a propriedade não pode ser objeto de especulação, devendo estar condicionada ao seu melhor uso, do ponto de vista econômico e social. Para tanto, defendia a adoção de cooperativas, a construção de colônias agrícolas providas de assistência social, educacional e hospitalar e a concessão de financiamentos especiais aos pequenos agricultores. 
Nacionalista, entendia que as riquezas do subsolo e as fontes naturais de energia são patrimônios coletivos, que devem ser explorados tendo em vista os interesses de toda população, e não do lucro do capital privado.
Em 1945, recusou a indicação para ministro do Supremo Tribunal Federal e candidatou-se no ano seguinte ao governo do Estado do Rio Grande do Sul. Durante a campanha, seus adversários políticos distribuíram panfletos nas zonas de colonização alemã e italiana, advertindo que ele seria um candidato ateu e comunista. 
Pasqualini perdeu a disputa por uma margem de apenas 20 mil votos, mas em 1950 foi eleito senador na campanha que reconduziu Getúlio Vargas à presidência da República. Nos anos que passou no Senado, prestou relevantes serviços ao país, oferecendo ao partido trabalhista o substrato teórico-ideológico das chamadas "Reformas de Base".
Lutou pela implantação de uma empresa estatal do petróleo, tendo sido relator do projeto de criação da Petrobrás em 1953. No entanto, devido ao clima político internacional daquele tempo, caracterizado pelo fenômeno histórico da "Guerra Fria", sua posição ideológica nunca foi bem compreendida.
Os conservadores diziam que as propostas de Pasqualini eram uma forma de comunismo enrustido, que ele não tinha coragem de assumir o marxismo e por isso adotava uma fantasia democrática. Por outro lado, os progressistas também o criticavam, afirmando que suas ideias faziam a defesa da permanência do capitalismo selvagem, o que, em suma, significava acusá-lo de inocente útil e imobilista.

"Se por socialismo se entende simplesmente a socialização dos meios de produção, não somos socialistas; se entender-se, porém, de uma crescente extensão da solidariedade social e uma crescente participação de todos, nos benefícios da civilização e da cultura, então somos socialistas. Da mesma forma, se por capitalismo se entender individualismo, egoísmo e tradicionalismo, não somos capitalistas; se, porém, se entender uma função social que se exerce para o crescente progresso econômico e social da coletividade, então somos capitalistas".

Diferenciando-se dos demais políticos de sua época, pela densidade de seus conhecimentos e pelo rigor dos seus estudos, Pasqualini ofereceu um valioso substrato intelectual para a formação da consciência política nacional. Preferiu o combate em favor da justiça social à glória e à riqueza que seu talento intelectual certamente lhe asseguraria. Em sua avaliação humanista do mundo, tinha a certeza de que o destino do homem é a felicidade, que só será alcançada através da liberdade, da justiça e da educação.
Defendia o direito de acesso ao conhecimento, como ferramenta essencial para eliminar as fronteiras entre pobres e ricos, porque, afinal, “somos todos companheiros do mesmo destino humano”. Seu legado intelectual é um tesouro farto e inesgotável e a evolução da sociedade brasileira mostrará que, quanto mais o lermos, o ouvirmos e o lembrarmos, mais justos e mais irmãos seremos.

─ O Senado Federal promoveu em 1994 a publicação do livro "Alberto Pasqualini – Obra Social e Política", em quatro volumes, cujo objetivo imediato foi resgatar o plano ideário do grande pensador gaúcho. A reunião dos seus textos jornalísticos e dos seus pronunciamentos políticos tornou-se também um importante documento histórico sobre a vida pública e intelectual brasileira entre as décadas de 1930 a 1960.

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