sexta-feira, 22 de março de 2024

AMADEU DE QUEIROZ / Textos selecionados

CAPÍTULO 3

Primeira parte do livro 
"Pouso Alegre: a origem da cidade 
e a história da sua imprensa" (1931)


COMO ESCREVO

Vou dar uma ideia. Logo que imagino um romance, crio os seus personagens e, antes do mais, faço uma relação de todos eles, com os nomes e as características de cada qual. Assim os personagens começam a existir desde logo. Vão adquirindo personalidade e não me deixam mais um instante sequer.
Como na vida, os personagens de um romance devem existir antes da ação. Devem ser uns tipos comuníssimos, mesmo porque não é possível inventar as figuras de uma obra de ficção. Devem existir, dissimulados em toda gente; devem ter os olhos de um, o talento e o nariz de outro, a astúcia e a feiúra de muitos, a maldade de quase todos. O que sai de minha pena existe por aí, senão na realidade, com certeza na imaginação de muita gente.
Quer saber de uma coisa? Quando escrevo, procuro imitar o incrustador que, aos pedacinhos, faz o admirável conjunto de sua obra. Aplico o mesmo processo aos homens, à paisagem, às paixões, a tudo que possa gerar emoções. 
A emoção não se transmite. O escritor não deve apresentar a sua obra integralmente realizada, nem dar um sentido definitivo às suas palavras, mas incitar, com a sua arte, a arte dissimulada dos leitores, realizada só por eles, conforme a cultura e a sensibilidade de cada um. Sejam o que forem, os escritores, talentosos ou geniais, só conseguirão, com a sua arte, despertar emoções dormentes.
O livro é fonte de emoções sempre novas. Passem as gerações e os leitores continuarão criando os seus mundos, inspirados no mesmo livro, no livro que não morre nem envelhece. Mas também há os leitores pretensiosos. Esses querem a toda força encontrar em nossos escritos intenções que jamais tivemos.
Acontece, às vezes, que me vem à lembrança uma palavra qualquer, que me parece expressiva ou interessante. Sinto um desejo enorme de utilizá-la. Então componho uma frase em que ela fica em bastante destaque. Feita a frase, corrijo-a, deixo-a bem apurada e aplico-a a um sentimento, a uma paisagem, a um tipo. Depois, acomodo-a a uma história.
O leitor não conhece essas ginásticas de trampolineiro. Supõe a criação enorme, descendo para a exiguidade da palavra. Portanto, já então, eu saí do meu rumo para cair no do leitor. E, assim, quanto mais incompreensível me apresento, mais engenhoso ele se torna para interpretar-me. E chega ao ponto de descobrir intenções que não tive, símbolos de que não me servi, argúcias filosóficas de que nunca dispus.

Fonte: PEIXOTO, José Benedito Silveira. Falam os escritores. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1971-1976.



domingo, 17 de março de 2024

VELHOS TEMPOS DA POLÍTICA MINEIRA

Nos tempos de Getúlio Vargas, no período posterior ao Estado Novo, os dois principais representantes políticos da oligarquia mineira eram Benedito Valadares do PSD e José Bonifácio de Andrada da UDN. No período da redemocratização pós-1946, quando ambos eram deputados federais, eles nutriam entre si uma intensa rivalidade nos debates parlamentares no Congresso Nacional.
Certa vez, em um encontro ao acaso no aeroporto de Belo Horizonte, tiveram a oportunidade de travar uma conversa rápida e amistosa, sem nenhum embaraço, bem ao estilo da tradicional política local.
Bonifácio estava chegando à capital mineira, enquanto Valadares se preparava para pegar o avião para o Rio de Janeiro, que naquela época era a capital nacional. 
Entre cumprimentos e cordialidades, Bonifácio perguntou:
- E você está indo pra onde, prezado Benedito?
Valadares então respondeu:
- Vou pra o Rio, caro Bonifácio!
E assim se despediram, cada um tomando seu rumo. E na saída do Aeroporto, Bonifácio comentou com o seu assessor:
- O Valadares pensa que me engana dizendo que vai pro Rio, só pra eu pensar que ele está indo pra São Paulo, mas eu sei que na verdade ele está indo pro Rio mesmo!

segunda-feira, 4 de março de 2024

ORIGENS OPERÁRIAS DO 8 DE MARÇO

No início de 1917, em plena ebulição da primeira grande guerra na Europa, ocorreu uma grande manifestação liderada pelas mulheres da cidade de São Petersburgo, na Rússia, para denunciar a situação de miséria da população e protestar contra a participação dos russos na guerra. Foi o marco inicial do processo político que resultou na Revolução de Outubro no final deste mesmo ano.
O protesto aconteceu em 23 de fevereiro do antigo calendário juliano da Rússia czarista, que corresponde ao 8 de março no calendário gregoriano adotado pelos soviéticos em 1918. A data foi oficializada pelos revolucionários russos para celebrar a força da mulher trabalhadora e heroica.
Alguns anos antes, em 25 de março de 1911, a cidade de Nova Iorque havia presenciado um evento trágico que entrou para a história dos Estados Unidos, quando as operárias de uma fábrica de tecidos fizeram um movimento de greve para exigir melhores condições de trabalho.
Entre as reivindicações das grevistas estavam a redução da carga diária de trabalho para 10 horas (as fábricas exigiam 15 horas), a equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber menos da metade do salário para executar o mesmo trabalho) e também o tratamento digno no ambiente de trabalho.
O movimento foi reprimido com excessiva violência. As mulheres que tinham ocupado o galpão da fábrica foram trancadas e ficaram presas, enquanto o galpão era criminosamente incendiado e 146 pessoas morreram carbonizadas, sendo 125 mulheres e 21 homens.
Na história do século XX há várias referências sobre a origem do dia internacional da mulher, rememorando ações repressivas semelhantes contra as mulheres ocorridas no mundo todo.
A partir da campanha internacional de luta pelos direitos das mulheres, o dia 8 de março foi oficializado pela ONU em 1975, após a revolução cultural da década de 1960 que colocou em definitivo a questão feminista na pauta política do mundo contemporâneo.