quarta-feira, 15 de outubro de 2025

COMO ESCREVO (Amadeu de Queiroz)


Vou dar uma ideia. Logo que imagino um romance, crio os seus personagens e, antes do mais, faço uma relação de todos eles, com os nomes e as características de cada qual. Assim os personagens começam a existir desde logo. Vão adquirindo personalidade e não me deixam mais um instante sequer.
Como na vida, os personagens de um romance devem existir antes da ação. Devem ser uns tipos comuníssimos, mesmo porque não é possível inventar as figuras de uma obra de ficção. Devem existir, dissimulados em toda gente; devem ter os olhos de um, o talento e o nariz de outro, a astúcia e a feiúra de muitos, a maldade de quase todos. O que sai de minha pena existe por aí, senão na realidade, com certeza na imaginação de muita gente.
Quer saber de uma coisa? Quando escrevo, procuro imitar o incrustador que, aos pedacinhos, faz o admirável conjunto de sua obra. Aplico o mesmo processo aos homens, à paisagem, às paixões, a tudo que possa gerar emoções. 
A emoção não se transmite. O escritor não deve apresentar a sua obra integralmente realizada, nem dar um sentido definitivo às suas palavras, mas incitar, com a sua arte, a arte dissimulada dos leitores, realizada só por eles, conforme a cultura e a sensibilidade de cada um. Sejam o que forem, os escritores, talentosos ou geniais, só conseguirão, com a sua arte, despertar emoções dormentes.
O livro é fonte de emoções sempre novas. Passem as gerações e os leitores continuarão criando os seus mundos, inspirados no mesmo livro, no livro que não morre nem envelhece. Mas também há os leitores pretensiosos. Esses querem a toda força encontrar em nossos escritos intenções que jamais tivemos.
Acontece, às vezes, que me vem à lembrança uma palavra qualquer, que me parece expressiva ou interessante. Sinto um desejo enorme de utilizá-la. Então componho uma frase em que ela fica em bastante destaque. Feita a frase, corrijo-a, deixo-a bem apurada e aplico-a a um sentimento, a uma paisagem, a um tipo. Depois, acomodo-a a uma história.
O leitor não conhece essas ginásticas de trampolineiro. Supõe a criação enorme, descendo para a exiguidade da palavra. Portanto, já então, eu saí do meu rumo para cair no do leitor. E, assim, quanto mais incompreensível me apresento, mais engenhoso ele se torna para interpretar-me. E chega ao ponto de descobrir intenções que não tive, símbolos de que não me servi, argúcias filosóficas de que nunca dispus.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

BRIZOLA E A OPERAÇÃO CONDOR

Leonel Brizola em frente ao Hotel Roosevelt, onde ficou hospedado na sua passagem histórica por Nova York (1978).
Algumas pessoas mais incautas podem acreditar que o regime militar no Brasil foi menos violento do que as demais ditaduras sulamericanas, em relação ao número de cidadãos assassinados, torturados e desaparecidos. Mas é inquestionável que a ditadura brasileira foi pioneira na região e serviu de base estrutural para a disseminação da idelogia militarista ─ golpista e autoritária.
A partir do golpe de Pinochet no Chile em setembro de 1973, as ditaduras do chamado Cone Sul, sob os auspícios do governo estadunidense, começaram a coordenar suas ações dentro de um plano estratégico conhecido como Operação Condor.
Leonel Brizola, por exemplo, depois do golpe militar de 1964 no Brasil, viveu 10 anos de exílio no Uruguay, até que a ditadura chegou por lá e revogou sua condição de exilado, expulsando-o daquele país. O político gaúcho teve então que se transferir para Buenos Aires, mas logo os militares tomaram o poder também na Argentina e o obrigaram a fugir para outro lugar.
Os tentáculos da Operação Condor atingiram vários líderes políticos, como os ex-presidentes brasileiros Juscelino Kubitscheck e João Goulart, mortos em situações muito suspeitas. Brizola certamente seria o próximo da lista a ser eliminado, mas as vicissitudes do destino lhe lançaram uma tábua de salvação.
Com a renúncia do republicano Richard Nixon e a ascenção do democrata Jimmy Carter à presidência dos Estados Unidos, os regimes militares sulamericanos perderam seu principal apoio político. A longa ditadura brasileira dava sinais de decadência, enquanto os demais países vizinhos ainda radicalizavam seus processos internos, com uma explosão brutal da violência estatal.
A partir de 1977 a CIA parou (temporariamente) de prestigiar regimes autoritários e patrocinar a Operação Condor. O governo dos Estados Unidos ofereceu asilo a Brizola, que assim pôde se refugiar em Nova York até 1979, quando uma lei de anistia aprovada pelo governo militar possibilitou o retorno de todos exilados ao Brasil.

domingo, 12 de outubro de 2025

TIAGO 3

            Meus irmãos, 

Não haja muitos entre vós a se arvorar em mestres; sabeis que seremos julgados mais severamente, porque todos nós caímos em muitos pontos. Se alguém não cair por palavra, este é um homem perfeito, capaz de refrear todo o seu corpo.
Quando pomos o freio na boca dos cavalos, para que nos obedeçam, governamos também todo o seu corpo. Vede também os navios: por grandes que sejam e embora agitados por ventos impetuosos, são governados com um pequeno leme à vontade do piloto. 
Assim também a língua é um pequeno membro, mas pode gloriar-se de grandes coisas. Considerai como uma pequena chama pode incendiar uma grande floresta! Também a língua é um fogo, um mundo de iniquidade. A língua está entre os nossos membros e contamina todo o corpo; e sendo inflamada pelo inferno, incendeia o curso da nossa vida.
Todas as espécies de feras selvagens, de aves, de répteis e de peixes do mar se domam e têm sido domadas pela espécie humana. A língua, porém, nenhum homem a pode domar. É um mal irrequieto, cheia de veneno mortífero.
Com ela bendizemos o Senhor, nosso Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma mesma boca procede a bênção e a maldição. Não convém, meus irmãos, que seja assim
Porventura lança uma fonte por uma mesma bica água doce e água amargosa? Acaso, meus irmãos, pode a figueira dar azeitonas ou a videira dar figos? Do mesmo modo a fonte de água salobra não pode dar água doce. Quem dentre vós é sábio e inteligente? Mostre com um bom proceder as suas obras repassadas de doçura e de sabedoria.
Mas, se tendes no coração um ciúme amargo e gosto pelas contendas, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade. Esta não é a sabedoria que vem do alto, mas é uma sabedoria terrena, humana, diabólica.
Onde houver ciúme e contenda, ali há também perturbação e toda espécie de vícios. A sabedoria, porém, que vem de cima, é primeiramente pura, depois pacífica, condescendente, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, nem fingimento. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz.