segunda-feira, 12 de junho de 2023

SOB CENSURA - O RENASCIMENTO DA MPB

                        
             Playlist no YouTube com documentários, discos e músicas do início da década de 1970.                  
A sigla MPB pode ter dois significados: um amplo, de sentido geral, e outro restrito, de sentido específico, qual seja, o movimento musical impulsionado pela indústria fonográfica brasileira a partir do início da década de 1970.
Depois da bossa-nova, da era dos festivais e da tropicália, nos porões de uma ditadura militar que interrompeu o curso natural da liberdade cultural e artística, um novo fluxo de músicos inventivos e inspirados surgiu no cenário nacional.
Um dos marcos iniciais desta nova geração pode ser representado pelo disco duplo Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges, lançado em 1972.
No livro "1973 - O ano que reinventou a MPB", publicado em 2014 pela editora Sonora, são comentados 50 discos que foram lançados neste ano crucial de renovação da música popular brasileira. 
Em pleno regime autoritário, sob uma ferrenha censura que poderia levar à tortura e até à morte, como muitas vezes aconteceu, um grupo de sobreviventes dos "anos 60" se uniu aos novatos que despontavam para formar um novo conceito estético musical.
Eram tempos difíceis, de uma verdadeira batalha contra a opressão dos militares, quando o campo das guerrilhas sai da realidade das armas e passa para o conflito das palavras, cantadas em desabafos e manifestos de muitos grupos oprimidos que tentavam se expressar através da música.
Até a abertura política no final da década de 1970, a ditadura militar no Brasil censurou os artistas de uma forma geral, o que comprometeu a qualidade da produção artística do país naquele momento, embora a médio prazo a política de censura fosse um tiro no próprio pé dado pelo governo brasileiro. 
Na área da música, para citar só um caso, o cantor Raul Seixas foi preso, torturado e obrigado a sair do país em 1974. Como forma de denúncia e protesto por toda essa situação, Chico Buarque lançou em 1975 o disco Sinal Fechado, somente com canções de outros autores, porque a maioria de suas próprias composições estavam censuradas. 
As gravadoras então começaram a ter muitas dificuldades porque os censores militares enxergavam subversão em quase tudo e proibiam músicas (e tudo o mais) segundo critérios absurdos. 
Neste contexto caótico muitos cantores resolveram gravar músicas com temas banais e até mesmo sem nenhum sentido, pois assim passariam fácil pela censura, evitando perda de tempo e trabalho. 
Foram sucessos dessa época músicas como "Farofa" de Mauro Celso, "Tragédia no fundo do mar", dos Originais do Samba, "Tá todo mundo louco", de Sílvio Brito e "Aonde a vaca vai o boi vai atrás" de João da Praia.
A canção "O mestre-sala dos mares", de Aldir Blanc e João Bosco, por exemplo, foi composta e gravada sob um rígido regime de censura. A letra trata do famoso episódio histórico da Revolta da Chibata, protagonizado pelo marinheiro João Cândido.
Os censores detectaram as conotações sociais no texto e então mandaram alterar a letra original porque fazia referências a elementos simbólicos da Marinha.
Porém as alterações que foram feitas fortaleceram ainda mais o sentido poético da mensagem, numa forma mística que eternizou o sentido da música - um verdadeiro clássico da MPB interpretado por ninguém menos que Elis Regina.

         
- Veja o texto original da letra com as mudanças entre parênteses:

Há muito tempo nas águas da Guanabara O dragão do mar reapareceu Na figura de um bravo marinheiro (feiticeiro) A quem a história não esqueceu
Conhecido como o almirante (navegante) negro Tinha a dignidade de um mestre sala E ao navegar (acenar) pelo mar com seu bloco de fragatas (na alegria das regatas) Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas dos negros pelas pontas das chibatas
(dos santos entre cantos e chibatas) Inundando o coração de toda tripulação (do pessoal do porão) Que a exemplo do marinheiro (feiticeiro) gritava então:
- Glória aos piratas, às mulatas, às sereias Glória à farofa, à cachaça, às baleias Glória a todas as lutas inglórias Que através da nossa história Não esquecemos jamais!

Salve o almirante (navegante) negro
Que tem por monumento As pedras pisadas do cais Mas faz muito tempo...