domingo, 16 de julho de 2023

JOGANDO POR MÚSICA

Djalma Santos e Garrincha com o uniforme do Milionários F. C.

Em meados da década de 1970, numa dessas madrugadas geladas no inverno da então pequenina cidade de Pouso Alegre, Sebastião Socó, o dono da única loja de discos nas redondezas - a lendária Discoteca do Socó - foi acordado por um insistente toque de campainha.

"Quem será a essa hora?", pensou o comerciante ao se levantar para atender à porta, ainda sonolento e já tremendo de frio:

– Quem é?

– Sou eu, o Licínio – respondeu uma voz lá fora.

Então Socó abriu a porta e já perguntou assustado:

– O que foi? O que aconteceu?

– Vai me desculpar, seu Socó - disse Licínio - mas só o senhor pra me ajudar nessa emergência.

Licínio Rios era um empresário da cidade que promovia vários eventos e naquele fim de semana ele estava trazendo o time do Milionários F. C. - onde jogava o grande Mané Garrincha - para fazer um jogo festivo na cidade.

Depois que encerrou a carreira profissional no final da década de 1960, Garrincha passou a fazer partidas de exibição com o Milionários, que era formado por atletas veteranos e alguns convidados que ainda estavam em atividade.

– Desculpe acordá-lo a essa hora, mas é que estou precisando urgentemente de um toca-fitas e só mesmo o senhor pode conseguir um – suplicou Licínio ao Socó.

– Mas isso tinha que ser agora, Licínio, numa madrugada fria como essa? – Socó reclamou aborrecido.

– Sabe o que é, seu Socó, o nosso querido Garrincha está aqui na cidade, o senhor deve saber. Ele está hospedado no Pouso Alegre Hotel, mas não consegue dormir sem ouvir música.

Socó estava perplexo, enquanto Licínio prosseguia:

– Então ele me pediu um toca-fitas e eu não tinha como arrumar um, daí lembrei do senhor. Não posso recusar um pedido do grande Garrincha, o senhor entende.

Garrincha veio um dia antes do jogo para pernoitar em Pouso Alegre. Dizem que ao chegar de carro, logo na entrada da cidade ele teria comentado:

– A criançada deste lugar deve ser levada demais; perigosa mesmo.

– Por que você está falando isso, Mané? – alguém perguntou intrigado.

– Não viu a placa? Estava escrito: Cuidado com as nossas crianças! – Garrincha disse com um sorriso irônico.

E aquela noite não faria justiça ao nome da cidade se Mané não pudesse ouvir as fitas que ele trouxera na viagem. Não teve jeito; Socó teve que abrir a sua loja naquela madrugada só para satisfazer o pedido do craque.

Garrincha era realmente fanático por música. Nos áureos tempos do Botafogo e da Seleção Brasileira, ele sempre levava consigo uma vitrolinha com uma porção de discos para ouvir nas horas de lazer.

Nas Copas de 1958 e 1962, diversas marchinhas de carnaval e canções populares foram compostas em homenagem ao folclórico ponta-direita. E uma das maiores paixões da sua vida foi a grande cantora Elza Soares, com quem foi casado por 15 anos.

O fato é que Garrincha não conseguia dormir sem ouvir música. Algumas das suas preferências eram Emilinha Borba, Ângela Maria, Frank Sinatra e, é claro, Elza Soares.

E quem o viu atuar nos gramados não tem dúvida em afirmar: Garrincha realmente jogava por música.